terça-feira, 20 de março de 2012

Ratos charmosos



Por Luís Fernando Veríssimo


Minha neta entrou correndo no escritório e pulou no meu colo. Contou que vira dois ratos no quintal, um rato malvado e um rato charmoso.

— E você está fugindo do rato malvado? — perguntei.

— Não — disse ela. — Estou fugindo do rato charmoso.

Não sei bem onde ela aprendeu “charmoso”, mas achei a sua lógica irretocável. Lição inconsciente de vida: um rato charmoso é mais perigoso do que um rato malvado. Um rato malvado é um rato malvado, sem fingimento. Um rato charmoso é um dissimulado. Esconde a sua condição de rato. Pode convencer menininhas a mimá-los como coelhinhos, antes de mostrar sua malvadeza. Você sabe o que esperar de um rato malvado. Você não sabe o que há por trás da falsa fachada de um rato charmoso.

Assim é na vida, muito particularmente na vida brasileira. Temos bandidos sem qualquer encanto que os redima, e temos bandidos que usam seu charme para fazer carreira, progredir, se eleger, ganhar respeito e cargos oficiais e às vezes até monumentos e, finalmente, imunidade vitalícia. Todo o mundo sabe que são ratos, mas o disfarce os salva.

Há casos, é verdade, em que os ratos charmosos são pegos como reles ratos malvados, nos raros casos em que a ratoeira funciona da mesma maneira para uns e para os outros. Mas os ratos charmosos sempre conseguem se safar. Voltam à vida publica, são reaceitos no Congresso, mantêm o cargo na confederação, etc. Os ratos malvados têm julgamentos sumários, os ratos charmosos podem contar com processos longos e inconclusivos.

Os dois vistos no quintal eram imaginários, mas espero que minha neta e sua geração saibam diferenciar os ratos, na realidade. Talvez quando ela crescer já tenham inventado algum modo de imunização para diminuir os efeitos do charme na vida nacional.

Uma espécie de dedetização moral. Sei lá.

Meu pitaco:
A proposta do meu blog é reproduzir aqui textos meus, mas hoje o meu ex colega e amigo Rogério Matos me enviou esse texto e eu precisei reproduzir aqui. Só quem já trabalhou no esgoto que é a política no Brasil consegue entender exatamente o que o grande LFV quis dizer nesse texto. Dá raiva, nojo, embrulha o estômago e depois de uma vez trabalhando com políticos e seus puxa sacos a gente aprende a lidar com gente mau caráter. Em um dia estão se detonado publicamente, mas perto das eleições os mesmos protagonistas de uma briga histórica dentro de um mesmo partido se abraçam e tiram fotos juntos para conquistar os votos dos trouxas que olham e pensa: "vejam como eles se amam." Estamos em ano de eleições municipais e precisamos acordar pra triste realidade de que a grande maioria dos nossos políticos só pensa em si mesmo, na sua família, seu partido e em um ou dois amigos. Se você tem um amigo político acredite que ele será seu amigo apenas até o dia em que achar que você é útil pra que ele se promova, do contrário a amizade de anos acaba logo ali, ele te dá um chute no traseiro e só lembra que você existe novamente nas próximas eleições, porque vai precisar de você novamente. Poderia escrever um imenso texto sobre isso, mas penso que LFV tem mil vezes mais dom do que eu e conseguiu descrever perfeitamente o que eu talvez levasse anos e milhões de palavras pra detalhar. Salve LFV e as pessoas que ainda se permitem pensar e não se deixar levar por qualquer aperto de mãos ou qualquer abraço mais falso que nota de R$ 3,00. Estou esperando que batam na minha porta pedindo votos pra poder dizer o que realmente penso sobre cada um deles, venham companheiros, estou ansiosa pela visita que em breve receberei com a bandeira no ombro, o folder nas mãos e muitas mentiras na boca.
E todas as noites eu rezo dizendo: "Senhor perdoai-vos, Eles não sabem o que fazem."

Nenhum comentário: